SOBRE GANÂNCIA E SOLIDARIEDADE – A (FALTA DE) PERSPECTIVA FUTURA SOBRE A FOME NO
BRASIL
A aferição da dimensão da fome ou da deficiência energética
crônica em uma população pode ser feita a partir da avaliação das reservas
energéticas dos indivíduos ou, mais especificamente, a partir da proporção de
indivíduos emagrecidos. Embora a deficiência energética crônica seja um evento
essencialmente familiar, acometendo simultaneamente crianças e adultos, sua
aferição se torna mais específica quando feita sobre indivíduos adultos –
crianças podem responder à deficiência energética com a redução do crescimento
linear, enquanto adultos sempre respondem com o emagrecimento. Consideram-se
magros os adultos que têm relação peso/altura (Índice de Massa Corporal)
inferior a 18,5 kg/m2. Em populações onde se sabe não existir fome, adultos magros não
ultrapassam 3% a 5% da população, considerando-se proporções acima desses
valores como indicativas de risco de deficiência energética crônica. A OMS
classifica proporções de adultos magros entre 5% e 9% como indicativa de baixa
prevalência de déficits energéticos, o que justificaria a necessidade de
monitorar o problema e estar alerta para sua eventual deterioração. Proporções
entre 10% e 19% caracterizariam prevalência moderada da deficiência energética
crônica enquanto proporções entre 20% e 29% e proporções iguais ou superiores a
40% caracterizariam, respectivamente, prevalências altas e muito altas (WHO,
1995).
Em uma pesquisa recente 2013-2014 do think tank
global “The Millennium Project”, chama-se a atenção sobre um novo desafio alimentar, a denominada “fome
oculta”, com projeções futuras negativas, se não for
abordada de maneira integral, em escala local, nacional e mundial. A FAO estima
que 30% (2 bilhões de pessoas)
passam “fome oculta”, caracterizada como situação em que se
ingere calorias o suficiente, mas a carecem de quantidade de minerais e
vitaminas.
Embora a porção de pessoas no mundo que passam fome
tenha caído de 30% em 1970 (quando a população mundial era de 3,7 bilhões) para
15% hoje (com uma população de 7 bilhões, das quais a grande maioria estão na
África e Ásia) as preocupações aumentaram com relação à variedade e qualidade
nutricional da comida. Alguns pesquisadores argumentam que a industrialização
da cultura reduz o conteúdo nutricional dos cultivos, aumentando assim o risco
de fome oculta.
Pode-se perceber, então, que a fome no mundo e,
consequentemente no Brasil, diminuiu durante as últimas décadas. Entretanto, as
pessoas que antes passavam fome continuam com a mesma pouca seletividade
alimentar que antes, o que as torna alvo de doenças resultantes de má nutrição,
como doenças cardíacas e disfunções metabólicas. Esse ainda é o lado bom da
história da fome.
Malthus parece ter sido negado, no sentido em que a
população aumentou, mas a produção mundial de alimentou sofreu crescimento
ainda maior. No entanto, ainda uma significativa parcela da população mundial
passa fome, o que destrói o mito do desenvolvimento idealista e desmascara a
injustiça oriunda do capitalismo. Eis o lado desagradável.
Diante desse cenário, fica-se dividido entre os
elogios às conquistas superadas e às críticas aos erros seculares; entre o
aplauso às pessoas que conseguiram ascender socialmente e a vaia àquelas que
não deram oportunidades a quem mais precisa. As perspectivas futuras para o
cenário da fome no Brasil são um tanto obscuras devido a tal dualidade, mas uma
coisa pode-se afirmar: a fome é um problema social que pode ser resolvido com
ação conjunta de governo e população. Só resta averiguar se a ganância ainda subjuga
a solidariedade, como tem sido de costume durante tanto tempo. Nessa disputa, poucos
parecem ganhar, mas todos podem perder.
REFERÊNCIAS: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000200002
http://americaeconomiabrasil.com.br/content/fome-oculta-o-novo-desafio-alimentar-mundial